Quem nunca assistiu um filme que o fez ficar reflexivo sobre sua vida? Além de servirem ao espetáculo, determinados filmes retratam histórias, problemáticas, reflexões e saberes que podem servir para se refletir sobre diversos campos do saber científico e suas práticas, como é o caso da Educação. É com esses entendimentos que analisaremos o filme O sorriso de Monalisa de 2003.
Dirigido por Mike Newell, a película conta a história de Khaterine Watson (interpretada por Julia Roberts), uma professora de História da Arte que consegue ser empregada numa renomada escola americana, a Wellesley, onde estudam as filhas de abastados membros da sociedade. A nova docente não se satisfaz com a instituição, que é altamente tradicionalista e conservadora, e luta na sua prática docente para alterá-la.
É fundamental atentarmos na ênfase que é dada aos indivíduos na trama como sujeitos históricos, especialmente à professora, algo somente possível por estarmos numa época em que os indivíduos são reconhecidos e enfatizados como sujeitos capazes de alterar, mesmo que pouco, a realidade, desafiando o sistema vigente. Quando essa película estava sendo produzido, já existia uma tradição de filmes no meio cinematográfico que representaram professores que, enfrentando adversidades, modificaram a vida dos alunos e sua percepção da realidade, como, por exemplo, os filmes A Sociedade dos Poetas Mortos (1989) e Ao Mestre Com Carinho (1967).
O filme enfatiza até mesmo discursivamente o contraste da professora (indivíduo) com a escola (instituição) quando a narradora da história (a aluna Elizabeth Warren) fala "Essa boêmia da Califórnia estava a caminho da escola mais conservadora do país" (1:50-1:56). A docente é enfatizada em tal narrativa como uma alienígena frente à sua nova instituição de ensino pela escolha dos roteiristas (que são Lawrence Konner e Mark Rosenthal) em colocar a personagem como californiana, visto que o estado da Califórnia, o mais rico dos Estados Unidos, é pertencence ao Sun Belt, cinturão tecnológico que é a região que mais exprime a marca do novo e do jovem no país. Como bem nos revela implicitamente a narradora, o filme tem como combustível entre o velho e o novo, entre o ensino tradicional e o progressista (contemporâneo). O ensino fornecido pela protagonista a suas alunas mostra-nos tal confronto, visto que ela tenta valorizar a arte contemporânea em detrimento da arte sacralizada pelas academias de belas-artes e pelos seus pares docentes.
Apesar de ser uma ficção, existem muitas escolas como a que é retratada na trama. Essas instituições são frutos da sociedade capitalista, visto que, como bem ponderou José Carlos Libâneo, " [...] {a ação de aprender} expressa finalidades e exigências a prática social, ao mesmo tempo que se subordina a condições concretas postas pela mesma prática social" (LIBÂNEO, 1994, p. 56).
Através de um enredo cômico e dramático, o filme materializa uma representação social que nos mostra que a educação é fruto da sociedade onde ela ocorre, da sua estrutura socioeconômica e das relações de poder que a permeiam. Como afirmou Libâneo, "Não há sociedade sem prática educativa nem prática educativa sem sociedade" (LIBÂNEO, 1994, p. 17). No caso do filme que estamos resenhando, o objetivo de realimentar e propiciar a manutenção do status quo é o que possibilita a existência da configuração escolar com que se depara a nova e sonhadora professora Watson, que encontra alunas sendo meras reprodutoras dos grandes mestres e educadas em casa e na escola para serem apenas esposas com bons saberes e conhecimentos para servirem aos interesses dos seus futuros maridos ricos. Tal mentalidade, resultante em parte da educação escolar mantenedora do status quo, pode ser vista, por exemplo em 33:57-34:10 e em 50:32-51:15. É esse destino pré-determinado e desigual de gênero das suas alunas que a professora Watson busca enfrentar, sendo guiada pelo seu sonho profissional na nova escola de formar as líderes do futuro.
Situando-se como um sujeito realizador duma prática histórica transformadora e propiciadora do pleno desenvolvimento de suas alunas, a jovem Watson torna-se no filme não somente uma professora, mas também uma educadora tal como define Luckesi (1987, p. 26). A nova docente inclusive revolucionou a forma como suas alunas concebiam e valorizavam a arte, fazendo até mesmo com que o conceito do quê é arte fosse ampliado na turma, que passou, por exemplo, a considerar a fotografia como uma forma de arte.
Se todas as reflexões que fizemos nesta resenha crítica foram fomentadas por apenas um filme, imaginemos quantas reflexões magníficas das mais diferentes disciplinas estão potencializadas de serem afloradas em filmes e outros objetos artísticos. E então, por quê não realizamos outras reflexões? um mar de possibilidades está aí, só nos resta mergulhar de cabeça nele.
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REFERÊNCIAS:
http://3000filmes.com/o-sorriso-de-mona-lisa-dublado/
LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.
LUCKESI, Cipriano Carlos. O papel da didática na formação do educador. Petrópolis: Vozes, 1987.